sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

ABUSO E MEDO


PEQUENA CRÔNICA



ABUSO E MEDO

Passando as férias em Itapecuru Mirim, conheci uma pessoa incrível. No entanto ela tinha alguns tics que não compreendia muito bem. Seu comportamento às vezes eram de uma pessoa  com baixa autoestima, autocrítica e muito pessimismo. Em alguns momentos era dócil, em outros, demonstrava ansiedade, raiva, tristeza e tratava todos à sua volta muito mal. Fiquei a observar aquele comportamento. De alegre... a uma melancolia profunda; era como num piscar de olhos.

Fui pesquisar e descobri outras pessoas com esse mesmo comportamento. Itapecuru tinha muita gente assim. Então fiz um breve levantamento e descobri que Gyselle, tinha sofrido um grande trauma na infância. Seus pais eram separados e ela vivia com a mãe e com seus avós. Uma casa sempre muito alegre e movimentada. Ainda aos sete anos ela sofreu abuso sexual por parte de um amigo da família. Na época ela não falou nada para sua mãe, ou seus avós. Teve medo. O pior é que o tal amigo estava sempre lá na casa da família. Todas as vezes a chamava para sentar em seu colo e Gyselle ia, até que um dia... ele começou a tocar em sua partes íntimas disfarçadamente. Ela era apenas uma criança de sete anos... e ela a tocava com aqueles dedões, aquelas mãos grosseiras. Ele era um tipo grosseiro.

O tempo passou. A menina cresceu. Mas, no seu subconsciente estava sempre aquelas mãos em seus pesadelos. Esse episódio gerou nela um trauma que  de tanto sofrer esse tipo de abuso e por medo de falar, e, ainda levar uma surra, acabou se tornando uma pessoa tímida, fechada em seu próprio eu. Desenvolveu um transtorno bipolar e cada vez era mais frequente essa mudança de humor e esse estresse.

Por volta de seus 20 anos se relacionou com um rapaz, mas sem sucesso, pois ela não conseguia se entregar ao namoro como devia ser. Seus relacionamentos  se transformaram em situações difíceis de conviver. Até que decidiu ficar sozinha. Hoje aos 40 anos de idade, Gyselle é uma pessoa amargurada com uma sexualidade mal resolvida.  Poucos a entendem, razão pela qual tem poucos amigos e prefere ficar afastada da família.

            Históricos como estes, e de outros distúrbios da saúde mental, como transtornos de ansiedade, alimentares ou estresse pode gerar o que chamamos de “depressão”. Minha amiga estava com depressão. Mas esse transtorno é tratável. Então fiz com que ela procurasse um psicólogo para conversar. Ela não se perdoava por aquela situação da infância. Foram quase cinco anos sofrendo e com medo. Só quando sua mãe mudou-se para uma nova casa e decidiu morar sozinha, é que ele se livrou daquele homem asqueroso. Já faz algum tempo que ele morreu, mas para ela, o tal homem ainda está bem vivo em suas memórias, e que ela tem medo de confessar até à sua própria sombra.

Nos últimos meses, Gyselle se revelou uma pessoa realmente incrível. Hoje ela está conseguindo vencer as barreiras de seu transtorno, tem o apoio de uma ONG que trabalha com pessoas que sofreram ou sofrem violência sexual na infância. Lá ela pode ser ela mesma.

O triste de saber é que ainda hoje crianças, meninos e meninas continuam sofrendo abusos sexuais e por medo não denunciam seus agressores. E não é somente em famílias de classe média baixa, mas, dentro de todas as ordens sociais. Na escola, nos clubes desportivos, nos holofotes dos modelos, nas mais diversas profissões.

É preciso que a sociedade se apodere desse compromisso de denunciar tamanho crime. Um crime que pode matar a vida útil de qualquer criança.



Assenção Pessoa, professora itapecuruense,
 escritora, da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.