sábado, 2 de março de 2019

LAGUSA-ITA-MA: CARNAVAL DE ITAPECURU: MEMÓRIAS

LAGUSA-ITA-MA: CARNAVAL DE ITAPECURU: MEMÓRIAS: Carnaval de Itapecuru Mirim: Memórias Assenção Pessoa* O  carnaval  é considerado uma das festas populares mais animadas e r...

CARNAVAL DE ITAPECURU: MEMÓRIAS




Carnaval de Itapecuru Mirim: Memórias
Assenção Pessoa*



carnaval é considerado uma das festas populares mais animadas e representativas do mundo. No Brasil, uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma festa de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Estes saíam pelas ruas com seus rostos pintados, jogando farinha e bolinhas de água de cheiro nas pessoas. Tais bolinhas nem sempre eram cheirosas. O entrudo era considerado uma prática violenta e ofensiva, em razão dos ataques às pessoas, mas era bastante popular. Com a criminalização do entrudo no Rio de Janeiro e as fortes campanhas de repressão pela imprensa, a elite do Império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros. Já na capital São Luís, até os anos 60, a tradição era carnaval de rua, em que as famílias se reuniam para brincar e dançar nas estreitas vielas do centro histórico. O carnaval maranhense, dentro de seu contexto histórico, já passou por várias fases. Atualmente, ainda  é marcado por batuques,  brincadeiras e personagens que tomam conta das ruas nos dias de folia, garantidas com os sons dos blocos carnavalescos, grupos de cultura afro, escolas de samba, bandinhas e charangas.
Falando em Itapecuru Mirim, uma cidade histórica, ligada à capital, manteve a influência da tradição dos bons carnavais de São Luís. Essa tradição se perdeu ao longo do tempo, mas conversando com alguns ilustres carnavalescos de nossa cidade veja o que eles nos revelam sobre suas memórias do carnaval de Itapecuru Mirim:
Numa conversa informal com seu Julio Araújo, o Belisca, e dona Alzerina, sua esposa, tive a brilhante surpresa de reviver um carnaval com música de metal, instrumentos tipo tuba, saxofone, sem bebidas alcoólicas, era só festa. O filho de seu Mundico Cardoso foi um dos pioneiros nesse tipos de festa de bandas com música de metal. Saíam às ruas de Itapecuru entrando nas casas, tocando e encantando a todos. “uma das composições da banda era por seu Julio, Claudio, Zé Araújo, seu Dico, Tuba, outros que não lembro bem agora”, dizia seu Júlio. “Não tinha clube, os bailes eram nas residências das famílias, comerciantes, gente da alta, tudo  muito selecionado. Abdala Buzar fez tudo nesta cidade, penso que pra ele não tinha idade não, foi um grande carnavalesco e um grande homem”, afirma dona Alzerina.
Um detalhe pitoresco, lembra Benedito Buzar era “o sereno”, como em todas as épocas, haviam as senhoras “marocas” que ficavam nas janelas no sereno, para ver a folia e depois comentar.
Dona Alzerina lembra do primeiro Clube de festas – o Itapecuru Social Clube, chamado “clube de primeira” foi fundado por Dr. Emésio, juiz da época em Itapecuru Mirim,  depois veio o Ideal Social Clube – o “clube de segunda”. (ninguém falava, mas estava explícito o preconceito racial e social). Nessa época já vinha gente de longe pra esta festa. Seu Júlio, o Belisca, ainda lembra de como eram os blocos: “era um grupo de uns 20 jovens, ninguém conhecia ninguém, e o certo é que animavam, e só tinha um par de gente, um par que fez o carnaval que é esse que está aí”. E recorda com saudades: “nós não temos mais carnaval não, carnaval já foi, hoje carnaval de rua, de praça, diferente dos nossos vesperais, bailes, blocos em Itapecuru. Não há festas para nós, para a nossa idade. Caímos no esquecimento. A verdade é que o Carnaval se modernizou e perdemos muito dessa cultura”.
Segundo Maria Sampaio, “cada um tinha seu bloco na rua, tínhamos os blocos de tambor tocando marchinha, a exemplo: de seu Sebastião com seu bloco, brincantes fantasiados de bichos (urso e macacos); Bloco de seu Tomé; o Maria Escandalosa que saía nas ruas com uma boneca bem grande chamada Maria Escandalosa. Carnaval era assim: os blocos saiam nas ruas durante o dia, entravam nas casas e ganhavam bebidas para esquentar os foliões. Depois vieram os blocos de Tusca e de Selé com suas balizas e duas porta-estandarte, hoje, Rainha de Bateria”.  Maria Sampaio ainda revela que foi Baliza no bloco de Matões que vinha dançar em Itapecuru Mirim, e que Maria, filha da dona Conceição Curadeira, era a baliza de bloco de Tusca. Lembra dos Blocos de Mina, de Domingo Preto da Trizidela, que saía nas ruas com as mulheres vestidas de mina; o bloco do prefeito Cinéias Santos, da elite de Itapecuru. Os blocos dos povoados Santa Rosa, Oiteiro, numa sequência mais recente lembrou dos Bloco do Bola Verde – da elite, dos Piratas – da Beira Rio, que vinham com alegorias, carroças enfeitadas e aos poucos foram evoluindo.
Os primeiros carnavais de Itapecuru contava com os blocos tradicionais, tinha o bloco do Ideal, o bloco da Filipa, e outras brincadeiras, completa Roberval Viana. Todas recebiam algum patrocínio da Prefeitura, mas a brincadeira era por conta dos foliões e carnavalescos  da cidade. Lembra que o Ideal Social Clube funcionava inicialmente na residência de seu Renato Oliveira, depois em sede cedida na residência de Áurea Nogueira por meio de Marlene Nogueira, sua filha adotiva, depois passou a funcionar na residência de Bruno Almeida. A decoração era em papel machê, Pierrot, Colombinas, Arlequim, baianas, fofão (uma figura que só tem no Maranhão); o Carnaval era de marchinhas e blocos de samba ritmado, e o nome originário mais conhecido é o de Chiquinha Gonzaga, bem como sua música “O Abre-alas” e a “Jardineira” que é uma marchinha de carnaval gravada por Orlando Silva/1939.
Todas as memórias revelam a importância de Abdala Buzar para as festas carnavalescas. “Abdala era o patriarca de todas as brincadeiras, festas e atividades desportivas”, afirmam todos com saudosismo. “Tudo que se fazia, passava pela aprovação, participação e apoio de Abdala Buzar”, registram dona Alzerina e seu Júlio.
E no recorte dessas memórias, lembrou-se que a ideia do carnaval  na praça Gomes de Sousa surgiu com José Jorge, José Paulo, Roberval, Nonato Niquinho, que começaram a fazer um movimento para articular o carnaval na praça, o que foi muito bem acolhido pelo prefeito José Carlos Rodrigues. No inicio com radiolas montadas, a radiola do Nonatinho e do seu Almeida, por exemplo. José Lauand quando prefeito, continuou e incrementou este tipo de festa na Praça, além de continuar incentivando os blocos de rua. Risalva Saraiva, melhorou o carnaval de rua, trouxe Nonato Silva um grande músico para tocar na praça Gomes de Sousa. A banda Ciclone, de José Paulo teve momentos de auge nessa época. Com Miguel Lauand houve um incremento do carnaval de praça, com o sistema Mara Folia, com dona Evillyn, onde ele teve a felicidade de transformar a folia carnavalesca de Itapecuru, no melhor carnaval do Maranhão.
As festa da beira-rio surgiram com Junior Marreca, juntamente com o Carnaval da Maranhencidade, diga-se de passagem foi Roberval o grande articulador juntamente com Índio do Brasil, para esse evento na Beira Rio (apoiado pelo governo do Estado), fosse realizado pela prefeitura. “Realizou o Carnaval das antigas no Circuito Beira Rio. A decoração sempre na maioria das vezes eram feitas por Adalgisa Almeida, Dadá”. É o que afirma Roberval Viana.
“Carnaval era uma festa espontânea, o povo vinha para a praça, sabendo que tinha bloco, fofão, tinha pó (talco), serpentina, loló, água de cheiro. E quem gostava de fazer assim era Abdala Buzar, meu pai, que tinha a tradição de se vestir de mulher. Tinha o bloco das filhas de Marcelino Nogueira, lembro do Zé Cavalinho com seu  bloco de foliões mascarados com caricaturas de animais (girafas, leão, onças, elefantes, ... ). Os clubes só surgiram nos anos 60”, relembra Benedito Buzar.
Umas das memórias que foram unânimes: Os Bailes feitos em casas particulares: nas residências de seu Paulo Bogéa, avô de Buzar (hoje ponto comercial, Meu Canto), seu Wady Fiquene (onde hoje é a Escola Gonçalves Dias); Pedro Nogueira Neves e Aurea Nogueira (atual complexo de lojas, AV Gomes de Sousa). Apenas três dias de muita folia, sendo um dia para o vesperal das crianças. E veio a lembrança de outros músicos de Itapecuru, segundo Buzar: seu Dico, Manoca, Flavio, Mundico Cardoso, Cláudio, Nestor – tocavam nos bailes de Primeira, da elite social;  Senhor do Costa, Joca, Aranha, Luís de Ana Júlia, Pedro Maranhão, tocavam nos bailes de Segunda, na casa de Pedro Maranhão, que pela discriminação racial, lá pelos anos 50, eram dos negros. Buzar ainda faz referência aos bailes de terceira. Baile de terceira eram os das prostitutas que aconteciam na pensão da Apolônia, e na residência da esposa de seu Taxoxa – casa cedida dos Buzar ( hoje Fórum Eleitoral)
Continuando essa retrospectiva, Buzar lembra do Pai de Zé Paulo, o Selé, e seu tio, João Cruzeiro (anos 50/60), Oscar, e outros, que ajudavam Abdala Buzar nessas festas. “O sistema de iluminação era com petromax cedidos pelas próprias pessoas da cidade;  a cerveja era gelada em tonéis cheios de gelo com serragem vindo de São Luís”, diz Buzar. “Mais recente no Itapecuru Social a cerveja era gelada em tanque e o gelo vinha de Bacabal”, lembra José Paulo. Já mais recente, outra fase do carnaval José Paulo revela seu gosto pela folia desde quando era assistente de petromax nas festa em que era levado por seu tio, e por sua convivência com seu pai, grande músico, tornou-se também um exímio mestre da música, criando assim a Banda Ciclone, uma grande referência para os músicos da nossa atualidade. “Itapecuru Social Clube aparece, Abdala toma de conta – primeiro Presidente, surge aquele grupo seleto formado por João Cruzeiro, Leonel Amorim, Nonato Ferraz, Oscar Moura, Celso, Fiquene, Sebastião Sousa – o Selé, meu pai. Esse pessoal é que dava sustentação às festa carnavalescas e outras festa também”, afirma José Paulo.
        José Paulo e Buzar lembraram dos bailes de carnaval no salão nobre da Prefeitura, hoje auditório e no grupo Escolar Gomes de Sousa. Ao final dos anos 70, inicio anos 80, ainda era tradição de levar loló (mas sem essa função que tem hoje, de se drogar – alucinógeno), lança perfume, água de cheiro – lembra Jairo Araújo. “Minha memória vem dos anos 70/80, lembro de Marciano, no vocal, com sua Banda – era show, o Bloco do Sujo, vestidos de índio (anos 70), Bloco do Lanchão, excelente, marcou época. Depois anos 90, carnaval da praça, um dos melhores carnavais do Maranhão, começou com Zé Carlos, depois veio Miguel, Junior Marreca, teve um auge, infelizmente hoje estamos sem esse grande carnaval de rua, mas nós foliões fazemos esse carnaval aqui no bar de Zé Paulo”, completou Jairo num tom de brincadeira e alegria.
Mensagens para os atuais foliões? Sim, nossos entrevistados nesse saudável bate-papo deixaram suas mensagens aos nossos foliões: “Que os jovens procurem ser felizes, que faça do Carnaval uma festa de Felicidade, como muito amor, sem ódio”, pede dona Alzerina.
“Que essa juventude não deixem o Carnaval de Itapecuru morrer, manter essa tradição, pois tradição é o resultado de uma memória, de uma época, de uma fase, e Itapecuru tem essa história. Se o poder público hoje não pode arcar com esse carnaval, que essa juventude tome à frente, mobilize forças, juntem-se ao poder público. Embora com todas as transformações que o carnaval tenha passado, e que hoje é muito diferente da minha época, mas é ainda um carnaval de tradição, um carnaval respeitado, o carnaval de Itapecuru. Que toda essa memória seja resgatada e preservada”, apelo de Benedito Buzar.
“Que todos brinquem com muita paz, alegria, inteligência, prudência, e sempre saber que outros carnavais virão, que predomine sempre a amizade, a família, a paz. A gente é que faz o carnaval da gente na verdade, então não ficar esperando pelo poder público, é no coração da gente que está a verdadeira alegria do carnaval”, é o que recomenda Jairo Araújo à esses foliões desse carnaval de 2019. E seu Júlio acrescenta apenas a saudade dos bailes para o público da terceira idade, e que é uma população bem representada no município.
E assim finalizo lembrando que o carnaval, além de ser uma tradição cultural brasileira, passou a ser um lucrativo negócio do ramo turístico e do entretenimento. Milhões de turistas dirigem-se ao país, às capitais e aos municípios, na época de realização dessa festa, e bilhões de reais são movimentados na produção e consumo dessa mercadoria cultural. O incremento do carnaval para nós itapecuruenses poderia ser igual à nossa capital São Luís, recuperando suas tradições, criando novas atrações e ganhando as ruas, as praças, seus blocos, principalmente em circuitos, como o Deodoro-Madre Deus, o mais tradicional, o que para nós representa perfeitamente o carnaval da Praça e circuito Beira-rio e os blocos de rua.

*Assenção Pessoa, Professora, escritora, pesquisadora, membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.