HOMENAGEM A GONÇALVES DIAS
GONÇALVES DIAS E OS GONÇALVES DE TODOS OS DIAS
Maria da Assenção Lopes Pessoa
“Minha terra tem palmeiras, /onde canta o sabiá,
as aves que aqui gorjeiam, /não gorjeiam como lá...”
(Fragmento de Canção do Exílio, Gonçalves Dias)
Esses
versos com efeito mágicos, reafirma que esse poeta se permite para todas as
idades, gerações e descendências, por certo atemporal, como é a vida romântica
de um exilado em sua própria essência.
Todos
nós sabemos da importância de Gonçalves Dias (1823-1864) para a geração romântica de outrora e para
a contemporaneidade. Maranhense com frágeis
anseio saudosista, um naufrágio, foi o protagonista do encerramento precoce de
sua história. Poeta de romântico indianista, nacionalista, tendo como ícone a
Canção do Exílio (1843), a poesia mais ditada, mais imitada, mais parafraseada
de todos os tempos. Poesia emblemática
de feição amorosa, onde se percebe a idealização da figura
feminina intrigante desse período de sua existência poética e histórica, além
da expressão de um nacionalismo, um orgulho exagerado por sua terra natal, onde
exalta a sua exuberante natureza.
Inserido em uma
escola estética com característica sentimental indócil, a individualização e
idealização do amor-perfeito, os Gonçalves Dias atuais ainda buscam esse sentido
para suas poesias. Poetas de diversos estilos, seguidos por diversos autores
reconhecidos, ou anônimos, que certamente poderiam ser os mais lidos e apreciados
pelos mais diversos tipos de leitores. Nos Gonçalves de todos os dias, percebem-se
outros poetas e romancistas a transcender o espírito nostálgico do romantismo
brasileiro.
Castro Alves, por
exemplo, o poeta dos escravos, o principal poeta da Terceira Geração desse
entoar Romântico, retrata, sob o efeito do lírico-amoroso, a influência ultrarromântica
da poesia vivida por Gonçalves Dias.
A duas flores
São duas flores unidas, /São duas
rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol, /Vivendo no
mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho, /Do mesmo
raio de sol.
[...]
Unidas, bem como os prantos, /Que em
parelha descem tantos
Das profundezas do olhar... /Como o
suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto, /Como as
estrelas do mar.
[...]
(Espumas Flutuantes)
Álvares de Azevedo,
outro poeta da 2ª geração romântica brasileira, nos seus versos de A Lagartixa,
– “Tu és o sol e eu sou a lagartixa” – a figura do amante idealizado, compara o
sujeito lírico a uma lagartixa, fugindo o nobre poeta do “eu” lírico, padrão
romântico heroico e virtuoso, ao mesmo tempo, em que o representa na forma animal.
A Lagartixa
A lagartixa
ao sol ardente vive /E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de
teus olhos me dá vida, /Tu és o sol e eu sou a lagartixa.
[...]
Vale todo
um harém a minha bela, /Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol
de seus olhos namorados, /Como ao sol de verão a lagartixa.
Casimiro de Abreu, também da 2ª
geração romântica, autor de As Primaveras, no poema Meus Oito Anos,
descreve uma nostalgia bucólica, marcada pela simplicidade e por uma
espontaneidade que se reporta ao seu patriotismo e sua idealização amorosa, seguido
do pressentimento da morte. Os poemas de Casimiro apresentam-se num contexto de
fuga de um presente inquieto, atordoado, atendo-se ao passado, como único
refúgio seguro e feliz a lhe proporcionar uma singular existência configurada
na poesia de fluido gonçalvino.
Meus Oito Anos
"Oh! que saudades que eu tenho
/Da aurora da minha vida, /Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais! /Que
amor, que sonhos, que flores, /Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras, /Debaixo
dos laranjais!
Como são belos os dias /Do despontar
da existência! /– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor; /O mar é –
lago sereno, /O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado, /A vida
– um hino d’amor!
[...]
A poesia romântica de Gonçalves Dias
se entranha na poesia dos poetas brasileiros, com recusas por vezes intensas,
por vezes amarguradas, solitárias, entristecidas. Mas, ainda assim, é o gênero
mais preferido dos leitores. Será por que somos eternos e irrecuperáveis românticos?
Os versos do romantismo sempre povoam o nosso célebre imaginário, deixando
marcas indeléveis de nossa memória afetiva na nossa história e na história da
literatura nacional.
Os Gonçalves de
todos os dias, estão nas calçadas recitando os poemas da vida, dentro dos
escritórios, em salas com ar condicionado ou ao ar livre. Desde o período romântico
até os dias modernos contemporâneos temos uma fila de poetas cuja missão é
levar esses estilos de vida, aos apreciadores da língua e da literatura portuguesa-brasileira.
De Gonçalves Dias a
Paulo Leminski, no seu jeito irreverente de se comunicar por meio da poesia, temos
um leque de autores que, imensuravelmente excêntricos, descrevem, além do clássico
romantismo, toda a diversidade poética presente na natureza e na vida. Destaco aqui
Chico Buarque de Holanda, Maria Firmina dos Reis, Fagundes Varela com exemplo
desses contrastes na sua forma de falar dos sonhos, reivindicar direitos e respeito,
além de expressar todas as formas do amor e de amar.
O romantismo de Chico
Buarque e Tom Jobim transborda no amor pelas descrições sofridas no sujeito em
transformações, aportando na modernidade, viajando nos campos da sexualidade,
identidade e liberdade. O amor transborda pelos poemas de Chico Buarque, nas suas
músicas e livros. Na canção Sabiá apresenta uma das releituras e
citações de Canção do Exílio.
Sabiá
Vou voltar /Sei
que ainda vou voltar /Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá /Que eu hei de ouvir /Uma sabiá
Vou voltar /Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira /Que já não há
Colher a flor que já não dá /E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria /E anunciar o dia
[...]
Maria Firmina dos Reis (1822-1917), maranhense, contemporânea precursora
do romantismo afrodescendente, traz na sua escrita a luta silenciosa abolicionista,
antes mesmo de Castro Alves. Úrsula, sua obra mais completa, reflete exatamente
o empoderamento da mulher negra na nossa literatura, traz a negritude para o
centro, o sujeito protagonista de sua história, com a sua própria linguagem e
experiências.
“Meteram-me a
mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e
infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta
de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que
abordamos as praias brasileiras”. (Úrsula, 1859)
Escritor e boêmio carioca, Fagundes
Varela (1841-1875), foi de uma geração ultrarromântica. Assumindo um tom
bucólico, suas composições se focam em descrever a natureza. Presente identificada por muitos dos seus
pares contemporâneos, o poeta evidencia seus sentimentos mais negativas, como a
melancolia, o pessimismo, a obsessão pela morte, a obstinação em fugir da
realidade. Ainda assim, sua lírica demonstrava temáticas políticas
e sociais, fatos que o aproximavam de gerações futuras. Varela, o poeta de
transição, assimilou traços do Romantismo em sua mais diversas fases. Cântico
do calvário, é um poema emocionante, escrito em memória de seu filho de 11
anos, que está no livro Cantos e Fantasias (1865), o mais conhecido.
Cântico do
calvário
[...]
Que belos sonhos! Que ilusões
benditas!
/Do cantor
infeliz lançaste à vida,
Arco-íris
de amor! Luz da aliança, /Calma e fulgente em meio da tormenta!
[...]
Machado de Assis
(1839-1908), foi um autor com um arcabouço de influência romântica, eterna,
como mostra suas obras Ressurreição (1872), Histórias da Meia-noite (1873),
A Mão e a Luva (1874).
Um nome pouco
lembrado deste período foi a professora, poeta Narcisa Amália de Campos (1852-1924),
primeira mulher jornalista desse nosso país, vasto de intelectualidades femininas
anônimas e esquecidas ao longo do tempo. Com forte consciência social,
demonstrado em seus artigos de opinião, Narcisa reflete acerca dos direitos das
mulheres e pessoas escravizadas, além de assumir outras posturas na literatura,
alcançando grande projeção em todo o Brasil. Nebulosas (1872),
único livro publicado, é um exemplo dessas preocupações, versando também os
sentimentos e a exaltação à natureza.
Por que sou forte
Dirás que é falso. Não. É certo.
Desço
/Ao fundo
d’alma toda vez que hesito...
Cada vez
que uma lágrima ou que um grito /Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...
[...]
É que há dentro vales, céus, alturas, /Que o olhar do
mundo não macula, a terna
Lua, flores,
queridas criaturas, /E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia
da paixão eterna!... /- E eis-me de novo forte para a luta.
Cecília Meireles (1901-1964),
com temas recorrentes sobre o amor, a mote, o tempo e a eternidade, primeira escritora
brasileira a se tornar realmente famosa no meio literário. Tema que estão
evidenciados em Vaga Música e Mar Absoluto. Com apenas 18 anos, Cecília
se integra ao mundo editorial. Os poemas, romances, literatura infantil e
textos jornalísticos estão presentes no seu vasto currículo premiado.
Mar Absoluto (fragmentos)
Foi desde sempre o mar, /E multidões
passadas me empurravam
como o
barco esquecido.
[...]
Então, é comigo que falam, /sou eu que devo
ir.
Porque não
há ninguém, /tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.
[...]
Falando
de escritoras, refiro-me a Mariana Luz (1871- 1960), poeta maranhense da cidade
de Itapecuru Mirim, que se pode observar na sua escrita, os traços da escrita
de Narcisa Amália, Maria Firmina dos Reis e outras autoras brasileiras. Com
apenas uma única obra publicada, Murmúrios, essa obra passeia por temas
melancólicos de amor e dor, vida e morte, além de traços religiosos. Entre o
preconceito e a invisibilidade, Mariana Luz, ainda assim, consegue ser a 2ª
mulher a entrar para a Academia Maranhense de Letras (1949). Isolada na solidão
de seus dias, Mariana merece reconhecimento e uma reparação histórica, por seus
escritos de valor imensurável na literatura do Brasil.
Supremo Amor
(Mariana Luz)
[...]
Se te perdesse, ó
Deus, quantas angústias,
Que martírio cruel
não sofreria
Meu pobre coração
que te ama tanto
E cujo afeto
aumenta dia a dia.
[...]
O mundo literário atual
do Brasil está repleto dos vários Gonçalves Dias, nos dias atuais. O romântico
que lateja nos corações avassaladores, no amor à natureza e às diversas causas:
indígenas, feminicídio, valorização do negro, da mulher, das relações de gênero,
enfim, nos que punge e dilacera, os arrancando do ostracismo presente na vida
de poetas e romancistas famosos ou anônimos escritores brasileiros e leitores
compulsivos.
Ao observar os compositores
das músicas do Bumba-meu-Boi maranhense, os trovadores, os repentistas, os
cordelistas na nossa região nordestina, vejam que está presente em algum ponto
expresso ou nas entrelinhas, os traços de Gonçalves Dias, o amor à pessoa
amada, a saudade, o espírito de luta e contemplação, a condição do poeta lírico-amoroso,
indianista, também presente nas nuances dos autores e autoras maranhenses.
Urrou de boi
Lá vai meu boi
urrando, subindo o vaquejador
Deu um urro na
porteira, meu vaqueiro se espantou
E o gado da fazenda
com isso se levantou
Urrou, urrou, urrou,
urrou,
Meu novilho brasileiro,
que a natureza criou...
[...]
(Mestre Bartolomeu
dos Santos, o mestre Coxinho, 1972)
Passando pela
geração dos novos poetas líricos-romântico maranhenses, o que dizer dos
escritores itapecuruenses, nas mais diversas escolas da literatura brasileira,
como, Assenção Pessoa, Teotônio Fonseca, Moaciene Lima, Samira Fonseca e tantos
que ainda nem sequer conseguiram publicar seus escritos? O Maranhão, traz a marca
do Brasil linguístico, protagonista da poesia e de grandes poetas. Inserido
nesse contexto, Itapecuru Mirim, cidade mais que hospitaleira, é a cidade dos
mais diferentes Gonçalves Dias, na poesia, no romance, nas diversas formas de expressão
romântica, escola mais vivida por suas leituras e seus leitores. Essa geração
contemporânea traz o reflexo das escolas literárias anteriores, mas, sem se
perder do tempo de agora. Ainda, nesse contexto podemos encontrar os nossos
Gonçalves Dias nas grandes profissões de advogados, jornalistas, etnógrafos e teatrólogos...
Tudo passa. Tudo fica.
O vento passa. E leva tudo.
Mas a obra
permanece.
E faz surgir futuros
Gonçalves Dias, todos os dias.
A Academia Itapecuru Mirim e a Prefeitura de Itapecuru Mirim promoveram a 6ª Festa Literária de Itapecuru Mirim (FLIM), nos dias 8,9 e 10 de novembro de 2023. O tema deste ano foi: Os duzentos anos de Gonçalves Dias.
Alguns registros dessa linda festa.