PEQUENA CRÔNICA
ABUSO
E MEDO
Passando
as férias em Itapecuru Mirim, conheci uma pessoa incrível. No entanto ela tinha
alguns tics que não compreendia muito bem. Seu comportamento às vezes eram de
uma pessoa com baixa autoestima, autocrítica e muito pessimismo.
Em alguns momentos era dócil, em outros, demonstrava ansiedade, raiva, tristeza
e tratava todos à sua volta muito mal. Fiquei a observar aquele comportamento.
De alegre... a uma melancolia profunda; era como num piscar de olhos.
Fui pesquisar e descobri outras pessoas com esse
mesmo comportamento. Itapecuru tinha muita gente assim. Então fiz um breve
levantamento e descobri que Gyselle, tinha sofrido um grande trauma na
infância. Seus pais eram separados e ela vivia com a mãe e com seus avós. Uma
casa sempre muito alegre e movimentada. Ainda aos sete anos ela sofreu abuso
sexual por parte de um amigo da família. Na época ela não falou nada para sua
mãe, ou seus avós. Teve medo. O pior é que o tal amigo estava sempre lá na casa
da família. Todas as vezes a chamava para sentar em seu colo e Gyselle ia, até
que um dia... ele começou a tocar em sua partes íntimas disfarçadamente. Ela
era apenas uma criança de sete anos... e ela a tocava com aqueles dedões,
aquelas mãos grosseiras. Ele era um tipo grosseiro.
O tempo passou. A menina cresceu. Mas, no seu
subconsciente estava sempre aquelas mãos em seus pesadelos. Esse episódio gerou
nela um trauma que de tanto sofrer esse
tipo de abuso e por medo de falar, e, ainda levar uma surra, acabou se tornando
uma pessoa tímida, fechada em seu próprio eu. Desenvolveu um transtorno bipolar
e cada vez era mais frequente essa mudança de humor e esse estresse.
Por volta de seus 20 anos se relacionou com um
rapaz, mas sem sucesso, pois ela não conseguia se entregar ao namoro como devia
ser. Seus relacionamentos se
transformaram em situações difíceis de conviver. Até que decidiu ficar sozinha.
Hoje aos 40 anos de idade, Gyselle é uma pessoa amargurada com uma sexualidade mal
resolvida. Poucos a entendem, razão pela
qual tem poucos amigos e prefere ficar afastada da família.
Históricos
como estes, e de outros distúrbios da saúde mental, como transtornos de ansiedade, alimentares
ou estresse pode gerar o que chamamos de “depressão”. Minha amiga
estava com depressão. Mas esse transtorno é tratável. Então fiz com que ela
procurasse um psicólogo para conversar. Ela não se perdoava por aquela situação
da infância. Foram quase cinco anos sofrendo e com medo. Só quando sua mãe
mudou-se para uma nova casa e decidiu morar sozinha, é que ele se livrou
daquele homem asqueroso. Já faz algum tempo que ele morreu, mas para ela, o tal
homem ainda está bem vivo em suas memórias, e que ela tem medo de confessar até
à sua própria sombra.
Nos últimos meses, Gyselle se revelou uma pessoa
realmente incrível. Hoje ela está conseguindo vencer as barreiras de seu transtorno,
tem o apoio de uma ONG que trabalha com pessoas que sofreram ou sofrem violência
sexual na infância. Lá ela pode ser ela mesma.
O triste de saber é que ainda hoje crianças,
meninos e meninas continuam sofrendo abusos sexuais e por medo não denunciam
seus agressores. E não é somente em famílias de classe média baixa, mas, dentro
de todas as ordens sociais. Na escola, nos clubes desportivos, nos holofotes dos
modelos, nas mais diversas profissões.
É preciso que a sociedade se apodere desse
compromisso de denunciar tamanho crime. Um crime que pode matar a vida útil de
qualquer criança.
Assenção Pessoa, professora itapecuruense,
escritora, da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.
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